Histórias de Viagem: O Senhor Carlo de Florença

postado por Wagner Nogueira
27/10/2019

Histórias de viagem aparecem quando menos esperamos. Nesse ponto da minha vida, já passei por mais de 50 países como Butão, Indonésia, Irã etc, visitei mais de 500 cidades durante quase 20 anos viajando por aí. Às vezes, as viagens eram mais longas, às vezes mais curtas, mas sempre divertidas.

Tendo viajado por vários lugares durante os meus primeiros 34 anos de vida, acho que consegui juntar bastante histórias. São em momentos de aperto que acabamos aprendendo a bondade do ser humano… e também acabamos atropelando muitos dos nossos preconceitos. O mundo é repleto de pessoas maravilhosas, com uma grande minoria que nos faz desacreditar da grande maioria. Esse post é uma prova do quanto um ser humano pode ser maravilhoso e, quando você precisa, te tirará de apertos.

Reciprocidade sempre!

Histórias de Viagem: Como essa história começou

Em 2007, um pouco depois do ano novo, decidi dar um pulo na Itália durante as minhas férias. Nessa época, eu trabalhava de “estoquista” e barman em um bar em Dublin, durante a minha faculdade em UCD. A crise global estava começando a mostrar as suas garras e o bar, se recusando a inovar, acabou fechando.

Acabei tendo 16 dias livres até as minhas aulas voltarem. Estava sem tanto dinheiro, mas tinha 16 dias livres. Vou deixar de viajar por esse mero detalhe? Claro que não!

Turim Historias de Viagem
O lugar onde não passei aperto…. Turim!

Calculando por quanto tempo viajar

Depois da loucura do fim das provas, tinha dinheiro o suficiente para mais ou menos 6 dias de viagem beeeeeeem mal feita mesmo. Como eu tenho amigos na Itália, acabei ganhando os três primeiros dias, vivendo como um rei. Fiquei em Turim com um quarto só para mim, comida de graça e tudo mais. Mas não ia ficar lá para sempre e decidi seguir viagem.

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O itinerário pós-Turim era Veneza, Bologna, Florença e Roma por 16 dias. Sem saber o quanto Veneza era cara, mesmo vivendo pobremente, acabei torrando uma boa parte do meu dinheiro por lá (quem nunca, né?). À partir desse momento, meu planejamento de viagem foi defenestrado e, de Veneza, fui direto para a minha cidade favorita no mundo inteiro: Florença.

Florença Histórias de Viagem
Piazzale Michelangelo com Vista de Florença

Nesse ponto da história dessa viagem, tinha €35 e por volta de 7 dias de viagem, sem nada marcado para as próximas duas noites. Trocando em miúdos, tinha dinheiro para comer kebab até o fim da minha viagem OU gastar o dinheiro por duas noites num hostel.

O que fazer então?

Devido aos treinos que tive durante a faculdade de física, conseguia passar duas, três noites sem dormir. Então decidi vagar pela cidade pelos próximos dois dias.

Vagando Histórias de Viagem
Lembra quando você também não sabia tirar fotos e deixava datas automáticas?

Cheguei em Florença à tarde. Sai para conhecer todos os lugares possíveis. Piazzale Michelangelo, Piazza della Signoria, Ponte Vecchio etc… tudo o que dava para ver pelo lado de fora.

O dia foi maravilhoso. Visitei lugares que só tinha lido nos inúmeros livros de história que tinha lido. Mas conforme a noite foi chegando, o frio também foi e precisei ver o que fazer.

Florença à noite

Florença não é um lugar tão amigável durante a noite. Para eu passar a noite com um pouquinho de segurança, fui para a Estação Santa Maria Novella. Não sabia que a estação fechava durante a noite, então eu e mais um grupo de pessoas fomos expulsos. Ficamos do lado de fora do portão lateral. Aqui, começa a verdadeira “História de Viagem”.

Dormindo Histórias de Viagem
O começo da noite…. última foto tirada por outro estrangeiro que também estava na pindaíba!

Tirei o meu saco de dormir da minha mochila, entrei nele para não congelar e fui dormir.

Carlo, o Senhor Sem-Teto das minhas Histórias de Viagem

Nem tinha dormido direito, morrendo de fome nesse ponto da história e sem lugar nenhum para comprar uma batatinha, um senhorzinho, já bem velhinho, se aproximou de mim e sentou do meu lado. Com todos os meus preconceitos, não olhei e já achei q ia perder um rim ou sei lá.

Do nada, ele começou a falar comigo. Perguntou, em Italiano, quais línguas eu falava. Francês, Alemão e Italiano… essas eram as opções. Não sabia falar nenhuma delas… só o meu Italiano “Terra-Nostra”. Para ser sincero, eu estava estudando Italiano na faculdade, então entendia mais ou menos.

Quando falei que entendia Italiano “un pò”, o senhor começou a falar. Meu, o cara não parava de falar. Tipo, parecia narrador de futebol de Rádio AM. Sem saber falar, ficou mais difícil ainda entendê-lo. Mas do que eu entendi, foi o seguinte:

As Histórias e Histórias de Viagem do Carlo

Carlo também viajou bastante, mas por motivos que ninguém tem vontade.

Ele nasceu em Palermo, na Sicília e lutou na Segunda Guerra Mundial. Ele lutou dos dois lados, Eixo e Aliados. (Não sei se sabem, mas em 1943, a Itália se livrou do Fascismo e se juntou aos Aliados, declarando guerra ao Eixo). Depois da Guerra, se mudou para Roma, se casou e foi trabalhar.

Depois de uns 40 anos juntos, a esposa dele faleceu e ele teve “esaurimento nervoso”. Liguei 1 + 1 e, tendo família em Minas Gerais, deduzi que ele teve um “sistema nervoso”, como diz o meu avô. Depois da morte dela, ele não conseguiu mais voltar para casa.

San Miniato Al Monte
San Miniato Al Monte

Perguntei o porque ele sabia falar Alemão e Francês. Ele acabou ficando por muito tempo na Alemanha e na França durante a guerra. Em Guerra, a gente acha que o povo luta o tempo todo, sem parar. Mas na verdade, teve bastante tempo ocioso e, com isso, acabou se tornando amigo de vários “inimigos” (o povo local). Assim, indo de cidade à cidade, acabou aprendendo as línguas.

Uma fome sem fim

Já há muito tempo, nem estava mais lembrando dos meus preconceitos iniciais e estava igual o menino do “História sem Fim”, escutando cada detalhe da história. Depois de umas boas horas ouvindo as histórias, eu estava morrendo de fome. Falei com ele se tinha algum lugar aberto quando, do nada, ele tirou um sanduíche de uma tupperware e me deu metade.

Tipo, como assim? Aceitar comida de um mendigo? Mas nesse ponto, o Carlo era o meu brother. Comemos, cada um, metade do sanduíche e ele continuou a história.

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Foi o sanduíche mais gostoso que já comi em viagens. Sei lá… nem estava tão gostoso assim, mas o senhor, que mal tinha o que comer, me deu metade da comida. Vai saber quando ele ia conseguir comer de novo. Lógico, fiquei emocionado e não me aguentei…

Contei algumas das minhas histórias com o meu Italiano péssimo, mas interrompi as histórias. O sol tinha nascido e algumas lojinhas já estavam abertas.

O que fazer quando alguém te trata bem?

Como disse, tinha €35 para durar o resto da minha viagem. Toquei o f***-se e o levei para um restaurante para tomar café-da-manhã comigo. Senti que ele não tinha terminado de contar suas histórias e histórias de viagem. Meu, comemos um monte… torrei absolutamente todo o meu dinheiro com o café-de-manhã. Já no fim do café, ele começou a chorar, daí eu chorei mais ainda.

Nesse ponto, estávamos conversando há quase 10 horas.

Florença Itália
A minha cidade favorita no mundo!

Saímos do restaurante e recebi o que acho que foi o abraço mais gostoso e fedido que já tinha recebido até então. Ele me agradeceu por ouví-lo por todo aquele tempo. As lágrimas continuavam caindo.

Acabei o convidando para andar comigo, mas ele recusou, disse Adeus, virou as costas e saiu. Nunca alguém foi tão agradecida apenas por ser ouvida.

Passei o dia seguinte próximo a estação, tocando violão para ganhar uma grana (história para um futuro relato) e também na esperança de reencontrá-lo, mas isso não aconteceu. Talvez era assim que tinha que acontecer.

Então, quase 13 anos se passaram desde esse momento… espero que, onde for que ele esteja, que esteja feliz e para sempre bondoso!

Inclui algumas fotos de antes da minha máquina morrer…

Uma pequena mensagem à todos que tem bastante histórias de viagem…

Todos nós passamos por momentos ruins em viagens. Seja por um roubo, algum mau-trato etc. Mas o que devemos lembrar é que uma história ruim não deve apagar 100 boas. O mundo está repleto de pessoas boas. Não deixem os 1% mau-intencionados controlarem como vocês vêem todos os outros! Histórias de viagem devem nos enriquecer! Aprendi muito com essa!

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Publicado por Wagner Nogueira

Wagner estudou Física Teórica (Bacharel) e Climatologia (Mestrado) na University College Dublin, na Irlanda. Tem Doutorado em Meteorologia pela Universidade de Reading e Pós-Graduação em Educação pela Universidade de Oxford. Hoje é professor de Física e Matemática no Reino do Butão. Tem paixão por história, desenho animado e jardinagem. Já visitou 52 países.

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Comentários

  1. Igor Augusto
    31 out 2019

    Wagner, impressionante a sua história! Confesso que tenho sido muito pessimista quanto ao mundo… Sempre pensando que as pessoas são, em sua maioria, ruins. Mas lendo textos como esses, temos uma certa fé. Simpático o Carlo, também teria de me comunicar com italiano Terra Nostra, haha! Esse tipo de coisa transforma a gente. Confesso que, talvez, eu precise passar por algo parecido pra mudar minha forma de ver o mundo. Valeu Wagner!! Prossiga contando suas histórias, pois fiquei curioso 🙂

    • 31 out 2019

      Muito obrigado mesmo! Todos nos tendemos a ter uma visão pessimista do mundo, mas quando olhamos com bons olhos, tem muita coisa bonita nele! Temos que dar o mesmo peso para experiências boas e ruins. Se deixarmos as ruins terem mais peso, aí fica difícil!!! Muito obrigado pelo comentário!

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